segunda-feira, 29 de maio de 2017

História trágico-marítima (CCXIX)


O naufrágio da barca "Nova Palmeira"

Ontem, por volta das 4 horas da tarde, vindo a entrar a barra a barca “Nova Palmeira”, uma volta de mar partiu-lhe a roda do leme, e desgovernado foi bater de encontro às pedras de Felgueiras. Desde esse momento o navio foi dado como perdido, em consequência de ter encalhado no sítio do Cais Novo, por detrás do castelo.
Logo que houve conhecimento do sinistro saiu o salva-vidas em socorro da tripulação, porém, esta pode salvar-se toda por meio de um cabo de vai-vem, portanto não foi necessário o seu auxílio.
Durante a noite a barca, com o embate das ondas, fez-se em pedaços, aparecendo hoje de manhã alguns destroços na praia, arrojados pelo mar, bem como dois porcos, já mortos. O cão do navio apareceu também de manhã, vivo, salvando-se a nado durante a noite. O navio desfez-se tão repentinamente, não podendo ter sido salva a mínima parte da carga nem do aparelho.
A “Nova Palmeira”, que vinha do Pará por Lisboa, com 49 dias de viagem, trazendo um carregamento de sal e vários géneros, era comandada pelo sr. capitão Soares, e pertencia ao sr. Adrião Joaquim da Rocha, de Matosinhos. A carga vinha consignada aos srs. António José Martins & Cª.; quanto ao navio consta que estava segura nas companhias Garantia e Segurança.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 19 de Janeiro de 1873)

Desenho de uma barca, sem correspondência ao texto

Características disponíveis da barca “Nova Palmeira”
Nº Oficial: N/a - Iic: H.D.L.S. - Porto de registo: Porto
Armador: Adrião Joaquim da Rocha, Matosinhos
Arqueação: 292,212 m3

A barca "Nova Palmeira"
Acerca deste navio naufragado ultimamente à entrada da barra do rio Douro, há ainda os seguintes pormenores:
O navio, cujo valor era calculado em 15.000$000 a 16.000$000 réis, estava seguro na Companhia Garantia na importância de 10.000$000 réis; e da carga, que constava de sal, madeira, barris e pipas vazias, arroz, urucú (fruto do urucuzeiro; substância tintorial, vermelha, extraída das sementes do urucuzeiro, na língua Tupi, Brasil), aguardente, mel e um caixote com moeda em pesos, sabendo-se apenas que esteja segura parte dela.
Tanto do navio, como da carga, foi, por assim dizer, perda total, porque apenas tem aparecido da carga alguma madeira, barris e alguns paneiros de urucú, que o mar tem arrojado à praia. A “Nova Palmeira” vinha do Pará por Lisboa, de onde trazia boa parte do carregamento.
Como foi dito, era seu proprietário o sr. Adrião Joaquim da Rocha, de Matosinhos, e vinha consignada aos srs. António José Martins & Cª.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 22 de Janeiro de 1873)

Arrematação de salvados
Procederam ontem na Foz à arrematação dos salvados da barca “Nova Palmeira”, ultimamente naufragada à entrada da barra do rio Douro. O massame, poliame, correntes, cadernais e madeira do navio foram arrematados por diversos indivíduos, produzindo a quantia de 656$800 réis. O cobre, chumbo e correntes, que foram arrematados por outras pessoas, só depois de devidamente pesados é que se poderá saber quanto produziram.
O não visto do navio foi adjudicado ao sr. José Rodrigues pela quantia de 453$000 réis. Finalmente, a parte da carga salva, foi igualmente arrematada pela soma total de 121$700 réis, entrando nesta quantia os barris para água que foram arrematados a 345 réis cada um. Estes géneros ficaram cativos de direitos.
Presidiu à arrematação o 1º oficial da alfândega, sr. Francisco Rodrigues de Faria, sendo escrivão do expediente o sr. António de Faria Carneiro. Também estiveram presentes um dos directores da companhia em que o navio estava seguro e o capitão do mesmo.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 23 de Janeiro de 1873)

Anúncio da viagem que estava prevista, mas não concretizada

Os naufrágios na barra do Porto e a companhia salvadora
Habitante em Gaia há alguns anos, travei conhecimento com uma porção de homens que se empregam no mister de salvadores de carga e mais aprestos dos navios que naufraguem na barra do Porto. Estes homens, criados neste serviço têm dado provas incontestáveis do seu merecimento para tal serviço, e por mais de uma vez os tenho visto fazer proezas admiráveis na salvação, não só de diferentes objectos que vão rio abaixo, mas também imensas vidas têm sido salvas por eles.
Há dois anos, na ocasião de uma cheia, quando a água levava de velocidade seis a sete milhas por hora, vi eu alguns destes corajosos homens irem em seguimento de algumas pipas de vinho, que com grande risco de perderem a vida conseguiram salvar. A recompensa que tiveram deste serviço foi uma paga mesquinha e muito tardia.
Têm eles mostrado a sua perícia admirável na salvação da carga dos navios naufragados na barra do Porto, e entre eles citarei o naufrágio da barca “Flor de S. Simão”, cujo serviço de descarga foi entregue a homens inexperientes, que trabalharam durante três dias seguidos, sem tirarem resultado algum. Logo que este navio foi arrematado, os arrematantes justaram com a companhia de Gaia a salvação da carga e 24 horas depois estava salva carga no valor de 340$000 réis.
Muitos outros factos poderia citar para provar até à evidência a utilidade que as companhias de seguros têm em se servirem destes homens para a descarga dos navios que possam vir a naufragar, mas não o faço por me faltar o tempo para isso.
Vi com desgosto, na ocasião do último naufrágio sucedido na tarde do dia 18, na barra do Porto, da barca “Nova Palmeira”, serem rejeitados os serviços que a companhia de Gaia fôra oferecer ao local do sinistro. Lembro, pois, às companhias de seguros a conveniência de se aproveitarem destes homens para tal serviço, e que desprezem qualquer proposta que lhes seja feita por alguém que se propõe guerreá-los.
(ass. António Pereira Leite)
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 26 de Janeiro de 1873)

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