sexta-feira, 7 de abril de 2017

História trágico-marítima (CCX)


Os dramas do mar alto - O vapor português “Sines” pede socorro
Por um rádio recebido ontem em Lavadores e na Boa Nova naufragou o
“Sines” no Canal da Mancha, salvando-se a tripulação
Apesar de repetidas pesquisas não se encontram vestígios do vapor
Quem era o seu comandante; a tripulação e a carga
Ouvindo os agentes, no Porto, da Companhia fretadora

Poucos meses decorridos sobre o naufrágio, em águas portuguesas, do vapor português “Lagoa” e do horrível desastre ocorrido com o afundamento do “Deister”, à entrada da barra do rio Douro, eis que o telégrafo vem dar outra notícia de um novo desastre que, por pouco, não enlutava a marinha mercante nacional. Outro vapor, e desta vez português, transportando carga para Hamburgo, o “Sines”, transmitia às primeiras horas da madrugada de ontem angustiosos sinais de S.O.S., indicando ao certo as coordenadas da sua posição.
Salva-vidas ingleses e vapores, que partiram em seu socorro, viram baldados os esforços de salvamento, porquanto, às sete horas da manhã, fartos de procurar, não tinham conseguido encontrar o vapor em questão.
Posteriormente chegava, porém, a consoladora notícia de que a tripulação do “Sines” fôra salva. Há, portanto, unicamente, a registar a perda material de um navio, facto que, apesar de importante, vem minorar bastante as suposições que as primeiras notícias nos faziam formular.
Em todo o caso, este naufrágio, que pôs em risco 31 homens, corajosos mareantes, não passa sem ser sentido, e, o laconismo torturante das primeiras notícias, mais faz meditar no mistério insondável do mar, desse mar que serviu para engrandecer o prestígio da nossa raça, mas que, simultaneamente, tantas vidas preciosas tem arrebatado e posto em eminente perigo.
Lamentando esta triste ocorrência, estando colados ao alarme geral que a primeira notícia provocou no ânimo de todos os portugueses, congratulamo-nos pelo desastre não ter atingido as proporções que, de princípio, lhe atribuíam.
As primeiras notícias do naufrágio
Conforme noticiado ontem na edição da tarde, a estação rádio-telegráfica de Lavadores recebia às primeiras horas da tarde de quarta-feira, um rádio da sua estação congénere de Niton, na Ilha de Wight, comunicando que ali foram recebidos sinais de S.O.S. do vapor português “Sines”.
Procurando, imediatamente, obter mais detalhes, foi possível apurar que o referido vapor se encontrava fretado à Companhia Colonial de Navegação de Lisboa, com agência aqui no Porto, na rua Mouzinho da Silveira. Nos escritórios da empresa, foram prestados esclarecimentos pelos sócios da citada agência, srs. João Diogo do Campo Carmo e visconde de Alijó.
Foi o primeiro destes srs. que amavelmente elucidou que fôra ali recebido um texto de um rádio transmitido para a estação da Boa Nova, que dizia assim:
«A estação rádio-telegráfica de Niton, na Ilha de Wight recebeu às 0,18 horas de hoje um S.O.S. do vapor “Sines”, que se encontrava à latitude Norte de 50º27’ e longitude Oeste 0º37’». Às 3,23 o mesmo posto disse para o “Sines” que das povoações inglesas Lansing e Worthing, partiram em seu auxílio dois salva-vidas. Mais tarde, ainda, às 7 horas, o mesmo posto avisou que o “Sines” não respondia, apesar das repetidas chamadas de terra, e que três navios haviam feito pesquisas no local nada havendo encontrado.
As características do Sines
- O “Sines não pertencia à frota da Companhia Colonial, não é verdade? - inquirimos!
- Assim é. Este navio, ex-alemão, pertencia ao armador da praça de Lisboa, sr. Fernando de Mello Rego, e encontrava-se fretado a esta Companhia para a qual fazia a sua segunda viagem. Ainda aqui esteve há cerca de duas semanas.
- E para onde se dirigia o “Sines”?
- Para Hamburgo…
- Com carga?
- Sim, minério de cobre. Desconhecemos, porém, a quantidade certa.
O “Sines”, - explicou mais detalhadamente o sr. João Diogo – era um belo navio, de 2.978 toneladas brutas e 2.242 toneladas liquidas. Era seu capitão o Cabo-verdiano Guidão Avelino, homem muito novo.
- E a tripulação?
- Era de 31 homens.
- E crê V.Exª num naufrágio?
- As notícias que recebemos são as que conhece. Nada mais nos consta, nem mesmo na sede em Lisboa, para onde ainda vamos telefonar.
- Portanto, admite a hipótese do “Sines” estar mesmo perdido?
- Sim… as notícias assim o fazem supôr… infelizmente!
E o sr. João Diogo com um atlas à sua frente mede com o compasso as distâncias, procurando as coordenadas, que determinam a posição em que o vapor se encontrava quando lançou o sinal de S.O.S. Visivelmente contrariado, comenta:
- As águas aqui na Mancha são muito fundas… A marinha mercante portuguesa anda com pouca sorte…
Nada mais pôde dizer o amável entrevistado. A campainha do telefone retinindo constantemente trazia um sem número de chamadas de pessoas que sabendo do naufrágio, procuravam informações.
Salva-se a tripulação
Mais tarde, quando já estava pronta grande parte desta notícia, mais uma vez, e devido à amabilidade do nosso entrevistado, chegou a notícia de que haviam telefonado de Lisboa, informando que a tripulação do “Sines” se tinha salvado. Não foi possível colher outras informações, mas foi confirmada esta feliz novidade.

Imagem do vapor "Sines", ainda propriedade dos T.M.E.
Desenho de Luís Filipe Silva

Características do vapor “Sines”
Armador: Fernando de Mello Rego, Lisboa
Nº Oficial: 444-E - Iic: H.S.I.N. - Registo: Lisboa
Construtor: William Hamilton & Co., Port Glasgow, Escócia, 05.1896
ex "Lynrowan" - Liver Shipping Co. Ltd., Liverpool, 1896-1901
ex "Milos" - Deutsche Levante Linie, Hamburgo, 1901-1916
ex “Sines” - Transportes Marítimos do Estado, Lisboa, 1916-1926
ex “Sines” - Soc. Sines (José P. Sobral Mendes), Lisboa, 1926-1928
Arqueação: Tab 2.974,61 tons - Tal 2.278,37 tons
Dimensões: Pp 94,49 mts - Boca 12,99 mts - Pontal 7,02 mts
Propulsão: Hamilton, 1896 - 1:Te - 1.800 Ihp - Veloc. 9,5 m/h
Equipagem: 31 tripulantes
Naufragou após colisão na posição 50º27'N 00º35'W em 20.03.1929

O nevoeiro na Mancha
Londres, 20 – O nevoeiro denso no Canal da Mancha durante a noite prejudicou a navegação, paralisando o tráfego no canal.
O salva-vidas de Worthing saiu para o mar, depois de ter sido recebido o S.O.S. do vapor “Sines”, mas depois de algumas horas de pesquisas não foi possível encontrar qualquer indício do vapor em perigo.
Outros navios tomaram igualmente parte nessas pesquisas, sem qualquer resultado. De manhã, o nevoeiro começou aliviando.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 21 de Março de 1929)
O naufrágio do “Sines”
Pormenores acerca das circunstâncias em que se deu o desastre
O comandante do “Sines” explica, num telegrama, as causas do sinistro
Quem eram os tripulantes
Como era previsível, causaram grande sensação na cidade, tanto a notícia da edição da tarde de quarta-feira, como a da edição da manhã de ontem, relacionadas com o naufrágio do vapor português “Sines”.
Realmente as primeiras notícias eram de tal forma confusas, que se chegou a supôr que o desastre assumira maiores proporções do que aquelas que, felizmente, assumiu.
Já o facto de o rádio transmitido da Ilha do Wight noticiar que os salva-vidas e outros vapores que haviam ido em seu socorro não terem encontrado o “Sines” fazia, por si só, pensar que a tripulação perecera com o navio, mas as notícias da imprensa vieram, finalmente, acalmar os ânimos e dar a todos a certeza grata de que não havia a lamentar a perda de vidas que, ao haver-se dado, vitimava elementos dos mais distintos da nossa marinha mercante.
A base das informações e aquelas colhidas junto dos proficientes agentes na cidade da Companhia Colonial, os srs. Teixeira de Magalhães, Diogo & C.ª, o desastre pôde ser reconstituído como segue:
Nas primeiras horas de quarta-feira, quando o pequeno navio de pesca “Adine”, de Boulogne-sur-Mer, se dirigia para o local onde costuma lançar as suas redes, abalroou a umas quarenta milhas de Beachy Head, isto é, ao largo da costa inglesa, com o navio português “Sines”, na altura da casa das máquinas.
O nevoeiro, extremamente denso, não permitiu à tripulação do navio francês qualquer manobra salvadora. No entanto, convencida da gravidade da colisão, pela violência do embate e pelos gritos que de bordo do navio abalroado soltavam os tripulantes, iniciou imediatas pesquisas, infrutíferas durante bastantes minutos.
Foi então, exactamente às 0,13 horas desse dia, que o telegrafista do “Sines” transmitiu os sinais de S.O.S. interceptados por diferentes estações radiotelegráficas, entre elas a de Niton na Ilha de Wight.
O densíssimo nevoeiro, principal causador do abalroamento, deve ter dificultado extremamente, não só o salvamento, como os esforços da tripulação em abandonar o navio, que se afundou num escasso quarto de hora. Só por um verdadeiro acaso providencial é que os 31 homens da tripulação, embarcados em duas baleeiras, puderam ser recolhidos pelo “Adine”, vindo para Boulogne-sur-Mer.
O telegrama do capitão
Deste porto telegrafou o capitão do “Sines”, sr. Guidão António Avelino para o proprietário do navio em Lisboa:
«“Sines” abalroado debaixo de nevoeiro, à meia-noite, na Mancha, por vapor de pesca, afundando-se de seguida. Tripulação toda salva. Chegamos a Bolonha a bordo do vapor abalroador. – (a) Comandante».
Como, mais tarde se averiguava, pelas coordenadas em que o navio naufragou a 25 milhas da ponta de Santa Catarina, perto da Ilha do Wight, local onde existem grandes rochedos e onde há sempre um denso nevoeiro, acentuado durante as últimas semanas.
Quem era a tripulação
O comandante do “Sines”, natural da Ilha do Fogo, de Cabo Verde é muito estimado e considerado entre a sua classe, pela sua competência e vastos conhecimentos náuticos, dizendo-se que ele já evitou alguns naufrágios iminentes, em navios sob o seu comando. A propósito, consta que de uma vez, ao sair de um porto na América do Norte, comandando um navio de vela, o sr. Guidão viu-se envolvido numa tremenda tempestade. Quando já todos julgavam inevitável o naufrágio, o sr. Guidão, encorajando os tripulantes e dando uma prova frisante da sua serenidade, mandou içar as velas e dirigiu o navio de tal forma que dentro em pouco conseguiu safar-se das paragens dominadas pela tempestade, indo arribar tranquilamente a um outro porto da costa americana. A tempestade de que fugia foi funesta para outros navios, que foram a pique.
Nascera em 1888 e é oficial da marinha mercante desde há 23 anos, exercendo o comando há 17. Foi comandante dos lugres “Augusto”, “Isis” e “Alfredo”, da barca “Portugal” e da galera “Helena”. Mais tarde comandou o vapor “Sado” e a galera “Santa Maria”, dos T.M.E. Há 5 anos que comandava o “Sines”. Tem sido sempre um oficial muito considerado entre todos os seus colegas.
Mário Gravato, o imediato do navio, é oficial há 11 anos, tendo 15 anos de vida no mar. Serviu em vários navios dos T.M.E. e desde há 4 anos fazia parte da guarnição do “Sines”. O segundo piloto é oficial há 5 anos, tendo embarcado pela primeira vez há 11 anos, e o terceiro piloto é oficial há 3 anos, e embarcou pela primeira vez há 10 anos.
A tripulação do “Sines” era assim constituída: Capitão, Guidão António Avelino; imediato, Mário Gravato; 2º piloto, Quirino de Carvalho; 3º piloto, José M. Azevedo; telegrafista, Mário C. Saraiva; contra-mestre, Manoel Martins; marinheiros, Frederico Fortes, José Estanislau, Eugénio Santos, João Vieira e Luiz Lourenço; moços, Damião P. dos Reis, Agostinho S. Almeida e João Oliveira Possante; 1º, 2º e 3º maquinistas, respectivamente, Manoel J. Caminha, Atanásio Matioly e Manoel de Oliveira; fogueiros, José Fernandes, Cipriano Manoel, José Amorim, Simão Monteiro, José Matias, António Moisés, Lino de Matos, João Fonseca e Zeferino Augusto; chegadores, Luiz Serra, José Rezende, e Manoel dos Santos; cozinheiro, Augusto Martins; ajudante, José P. de Carvalho; padeiro, Artur Dias Lourenço, e criados, Jacinto José Gomes e Fernando Miranda.
A história do "Sines"
O navio naufragado que prestou serviços durante a Grande Guerra, pertenceu, como se disse, à frota alemã, onde teve os nomes de “Lynrowan” e “Milos”. Foi adquirido, sucessivamente, pelos Transportes Marítimos do Estado, e pela casa Mello Rego, de Lisboa.
Fôra construído em 1896, e embora o seu valor estivesse avaliado em 30 mil libras, estava seguro na companhia Lloyds, unicamente em 15 mil.
Quando deflagrou a Grande Guerra, em 1914, o “Sines”, que então navegava sob a bandeira alemã, encontrava-se fundeado no Porto, onde foi aprisionado. Vindo, depois, para Lisboa, foi incorporado na frota dos extintos Transportes Marítimos do Estado, sendo um dos navios alugados à Furness, que o utilizou no transporte de víveres para os exércitos aliados.
Aquando da liquidação dos T.M.E., o “Sines” foi vendido à Sociedade Sines, Lda., sendo seu armador o sr. António Sobral Mendes, que se encontra actualmente a residir no Porto.
O “Sines” foi nos primeiros dias do corrente mês a Setúbal, a fim de carregar 3.500 toneladas de mineral, procedente das minas de Aljustrel, vindo depois para Lisboa, onde carregou mais 200 toneladas de cera, conserva e cortiça. O mineral destinava-se todo a Hamburgo, e a carga de Lisboa seria dividida por aquele porto e Roterdão. Toda esta importante carga estava segura pelos respectivos importadores. O navio estava previsto chegar hoje a Hamburgo.
Segundo informação recebida, os tripulantes do vapor naufragado esperam em Boulogne-sur-Mer o primeiro navio que os possa transportar a Lisboa.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 22 de Março de 1929)
O naufrágio do “Sines”
No rápido da noite, chegaram hoje a Lisboa os oficiais do vapor “Sines” que, na quarta-feira passada, naufragou no Canal da Mancha. No comboio de amanhã, das 8 horas, chegam os restantes tripulantes.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 24 de Março de 1929)

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