domingo, 6 de novembro de 2016

História trágico-marítima (XXXVIII)


Portugal e a guerra
Uma viagem acidentada do “Cazengo”

De regresso de Bordéus, onde foi levar um carregamento de 1.800 toneladas de sardinha e cacau, está em Lisboa o vapor “Cazengo” da Empresa Nacional de Navegação, do comando do capitão sr. António Eduardo de Oliveira.
O “Cazengo”, que daqui saiu a 28 de Maio último, chegou ao porto de destino a 4 do mês seguinte, realizando uma viagem cheia de peripécias assustadoras, segundo foi referido pelo imediato do navio, sr. Duarte Bárcia, um dos mais distintos oficiais da nossa marinha mercante.
Diz o simpático marinheiro:
«O regresso foi bem melhor do que a nossa ida. Quando o “Cazengo” atingiu as alturas de Santander, começamos a notar os vestígios de muitas barricas de óleo à tona de água.
Nessa ocasião, uns pescadores espanhóis que demandavam o porto, clamaram para bordo do nosso navio que nos aproximássemos de terra, visto que ali passara, com rumo a Bayona, um submarino alemão.
- A tierra, a tierra - gritavam os pescadores. E, seguindo esse conselho, aproximamo-nos o mais possível da costa.
No dia 31, às 11 horas da noite, foi avistado de bordo um vulto que procurava cortar-nos a proa. Verificamos depois ser, de facto, um submarino que logramos evitar dando toda a força à máquina em direcção à costa. O submarino, na manhã seguinte, tinha desaparecido no horizonte.
Em San Jean de Luz fomos avisados pelas autoridades francesas para que não prosseguíssemos, visto o mar estar coberto de minas. Esperamos os caça-minas que vinham de Bordéus fazer a rocegagem.
Assistimos à operação, vendo apanhar 11 desses terríveis explosivos. Três deles foram rebentados no mar, a pouca distância do nosso navio. O estrondo foi medonho e ensurcedor. A coluna de água que levantou ao explodir atingiu a altura de um 5º andar.
No dia 1, quando se anunciou que o mar estava limpo, organizou-se um comboio de navios, constituído por 16 unidades. Foram numerados com números ímpares, cabendo ao nosso o número 31. A distância entre os navios era aproximadamente de 70 metros.
Pouco depois da partida, o vapor que seguia adiante de nós, que por sinal era norueguês, chocou com uma mina submarina. O estampido foi horrível, soçobrando o navio em 30 segundos, aberto de meio a meio.
De bordo do “Cazengo” assistimos ao medonho desastre. Vimos o capitão e dois marinheiros atirar-se à água e soubemos depois que esses foram os únicos sobreviventes da catástrofe».
Por fim, conclui o distinto oficial:
Chegamos a Bordéus sem incidente de maior. E, tendo tomado alguma carga, voltamos à nossa terra sem acontecimentos dignos de registo».
(In jornal “O Comércio do Porto”, sábado, 23 de Junho de 1917)

O vapor “ Cazengo “
1889 - 1918

Desenho do navio em postal da Companhia

Nº Oficial: 459 - Iic: H.J.W.D. - Registo: Lisboa, 02.10.1889
Armador: Empresa Nacional de Navegação, Lisboa
Cttor: Earl’s Shipbuilding & Engineering Co. Ltd., Hull, 09.1889
Arqueação: Tab 3.009,07 tons - Tal 1.922,00 tons
Dimensões: Pp 103,60 mts - Boca 12,30 mts - Pontal 8,00 mts
Propulsão: Earl’s, 1889 - 1:Te - 2.200 Ihp - Veloc. 13 m/h
Equipagem: 90 tripulantes - 214 passageiros

O afundamento do “ Cazengo ”
Por notícias hoje recebidas em Lisboa, sabe-se que foi torpedeado a 90 milhas de Arcachon, o vapor “Cazengo”, que se afundou. Pertencia à Empresa Nacional de Navegação.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 15 de Outubro de 1918)

O vapor “Cazengo” foi afundado pelo submarino alemão U-91, que se encontrava sob o comando do capitão Alfred von Glasenapp. O ataque teve lugar próximo a St. Jean de Luz, França, na posição 44º16’N 01º20’W, a 8 de Outubro de 1918, quando em viagem de Lisboa para Liverpool.

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