sábado, 27 de fevereiro de 2016

História trágico-marítima (CLXXXIII)


O naufrágio da escuna “Madeleine” na barra do Douro

Um sinistro marítimo ocorrido ontem, ao princípio da tarde, na barra do Douro, em que se perdeu por completo a escuna francesa “Madeleine”, morrendo dois homens, assinalou tristemente o dia de ontem na cidade.
Foi um drama que se desenrolou à vista da população da Foz e que teve passagens pungentes, de intensa comoção e rasgos de abnegação, quando se empregaram os meios mais extremos para se salvar a vida àqueles que estavam em iminente risco, numa situação aflitiva.
A escuna “Madeleine”
A escuna francesa “Madeleine” pertence à praça de Saint Brieux, de 139 toneladas de registo, era um navio velho, mas em muito boas condições de navegabilidade.
Era a terceira visita que fazia ao rio Douro, tendo entrado pela última vez no rio no dia 11 do corrente, vinda de Swansea com um carregamento de carvão, consignada a M. de Almeida & Santos. Demorou-se algum tempo neste porto onde recebeu um carregamento de toros de pinheiro para Swansea. Além do capitão, sr. Chelveder Toutsaint, o navio tinha mais cinco homens de tripulação.
Ontem, por volta das duas horas da tarde a “Madeleine” levantou ferro e foi rio abaixo, rebocada pelo vapor “Liberal”, a fim de seguir para o seu destino.
O sinistro - Os socorros
Quando o vapor “Liberal” que rebocava a “Madeleine” passou em frente a umas pedras denominadas «Ponta do Dente», foi forçado a parar porque o cabo dado para a escuna se prendeu à cadeia da bola de marcação da barra.
Durante os esforços empregues para safar o cabo, este a certa altura rebentou, ou foi largado do “Liberal”, deixando a escuna à deriva, e daí a pouco foi seguindo rio abaixo levada pela corrente da água, indo bater violentamente nas pedras junto ao molhe do farolim da Foz.
De terra havia presenciado o que se passava o guarda civil nº.83, António Soares Pinho, de sentinela à esquadra da Foz, o qual depois de participar o sinistro ao chefe sr. Vilaça, agarrou num cabo e boia que havia no cais e, acompanhado do piloto da Foz, sr. Alexandre Cardoso Meireles correu com toda a urgência para o molhe do farolim. O mar era muito e por vezes as vagas faziam cair ali grandes massas de água, que varriam o molhe.
Os dois lutando com muita dificuldade conseguiram prender o cabo ao farolim e dali arremessaram a boia para o navio, que tinha água aberta e que, pouco a pouco, ia adernando para bombordo.
O mar, inquieto em demasia, fazia balouçar imensamente o navio encalhado, o que era um enorme exercício para os pobres náufragos, que, com muitíssima dificuldade se agarraram ao cabo, e, à maneira que se lhes proporcionava o melhor ensejo, iam subindo pelo cabo e saltavam para o molhe.
Dois dos infelizes tripulantes não se aguentaram quando tomaram o cabo e caíram ao mar, não tornando a ser vistos, morrendo afogados. O último náufrago a sair do navio foi o capitão e pode dizer-se que se não consegue retirar-se tão rápido, seria uma das vítimas, porque a escuna fortemente sacudida pelas vagas, afastou-se um pouco e começou a soçobrar, voltando-se por completo, largando desde logo bastantes toros de pinheiro, que, ao lume de água iam desaparecendo pela barra fora.
Enquanto o guarda civil nº.83 e o piloto Cardoso Meireles tratavam dos salvamentos, o chefe Vilaça com alguns agentes, prestou um importante serviço, não deixando que as numerosas pessoas que se juntaram no local avançassem para perto do farolim, evitando não só o embaraço dos socorros, como algum desastre para os imprudentes, que podiam ser apanhados pelas vagas que galgavam o molhe.
Os náufragos sobreviventes
Os náufragos sobreviventes foram levados para a Estação de Socorros a Náufragos, que fica junto da esquadra de polícia ao fundo do jardim do Passeio Alegre.
Algumas pessoas bondosas, moradoras na Foz, ofereceram roupas e reconfortantes aos quatro náufragos salvos, que são: o capitão Chelveder Toutsaint, de 35 anos; o segundo-piloto Eugène Gulin, de 38 anos; o cozinheiro Roger La Croux, de 16 anos e o criado Joseph Bornin, de 18 anos.
Os pobres homens detiveram-se ali bastante tempo, tendo sido verificado que o capitão estava ferido numa perna e num pé. Segundo informação colhida no local, este marítimo perdeu uma carteira com alguns papéis importantes e 2.200 francos em notas e uma bolsa contendo algumas moedas de ouro e prata.
A Cruz Vermelha - Remoção dos náufragos para o Porto
Na Estação de Socorros a Náufragos, à Foz, compareceu um automóvel e uma ambulância da Cruz Vermelha, com o médico dr. Ramos Pereira e mais pessoal, sendo prestados aos náufragos os cuidados de que necessitavam, nomeadamente ao capitão, que está ferido.
Depois compareceram no local os consignatários do navio, que se inteiraram do que tinha acontecido, sendo os 4 sobreviventes transportados no mesmo automóvel para o Hotel Malhão, à rua do Comércio do Porto. O capitão deitou-se imediatamente e declarou estar indisponível para receber qualquer pessoa.
Os cadáveres dos dois infelizes náufragos
Pouco tempo depois de se haver submergido a escuna “Madeleine”, o mar sempre alteroso, arrojou à praia das Pastoras os cadáveres dos dois tripulantes, que não lograram salvar-se. São eles Julien Le Beux, de 37 anos e Henri Maudin, de 19 anos.
A polícia fez conduzir os dois cadáveres ao Hospital da Misericórdia, onde o clínico de serviço verificou os óbitos, sendo depois removidos para o depósito do cemitério de Agramonte.
Notas diversas
No local do sinistro esteve o sr. Capitão do Porto e no Departamento Marítimo está sendo levantado um auto acerca deste acontecimento.
- A Guarda-fiscal estabeleceu um serviço especial na Foz, por causa dos salvados.
- Os tripulantes, além das suas roupas de uso, perderam o dinheiro que levavam.
- Foi muito elogiado o bom serviço prestado pela polícia da esquadra da Foz.
- O navio naufragado estava seguro numa companhia estrangeira.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 31 de Março de 1915)

Naufrágio - o desastre de ante-ontem
Pelo comissariado de polícia foi dado conhecimento ao juízo de instrução criminal da catástrofe marítima ocorrida ante-ontem, na barra do Douro, onde se perdeu a escuna francesa “Madeleine” e onde morreram dois tripulantes e comunicando que os cadáveres serão removidos para o necrotério do Instituto Médico-Legal, a fim de serem autopsiados.
No Departamento Marítimo do Norte estão a ser recolhidos elementos para servir de base a um inquérito, com o fim de se apurarem responsabilidades.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 1 de Abril de 1915)

Naufrágio - Valores perdidos pelo capitão da escuna “Madeleine”
O capitão Chelveder Toutsaint, da escuna francesa “Madeleine”, que naufragou no dia 30 do mês findo, à entrada da barra do rio Douro, perdeu os seguintes valores, na lamentável catástrofe:
24 libras esterlinas em notas inglesas de uma libra e «bons» da defesa nacional francesa: um de mil francos e outro de quinhentos, uma nota de vinte e duas de cinco francos do Banco Francês. Tudo fechado numa pasta cartonada, preta, amarrada com uma fita branca.
Numa bolsa de couro negro, cerca de dez francos em moedas de dois francos, mais um franco e cinquenta cêntimos; uma chave com a marca «Fichet Paris», com os números 3 e 9 ou 1 e 9.
Numa outra pequena bolsa de couro escuro uma moeda de ouro de dez shillings ingleses e cerca de dez shillings em moeda de prata inglesa e um pequeno rosário de criança.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 3 de Abril de 1915)

Ainda o naufrágio da escuna “Madeleine”
No comboio do Douro, de ante-ontem de manhã, seguiram pela Barca de Alva, para a França, o 2º piloto Eugène Gulin, o cozinheiro Roger La Croux e o criado Joseph Bornin, náufragos sobreviventes da escuna francesa “Madeleine”, que, na tarde de 30 do mês findo se perdeu à entrada da barra, como foi oportunamente noticiado. O capitão do mesmo navio, sr. Chelveder Toutsaint, ainda se demora alguns dias no Porto.
Como foi dito, por ocasião do sinistro, prestou relevantes serviços de socorro à tripulação o guarda civil nº.83, António Soares de Pinho, e ao que consta o sr. comissário geral de polícia propôs ao sr. governador civil, que ao referido agente seja concedida uma gratificação de 10$000 réis e um louvor na ordem da corporação.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 6 de Abril de 1915)

Sem comentários: