quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

História trágico-marítima (LXVI)


O afundamento da chalupa “ Aida “

Esta é, julgo eu, mais uma curiosa história de uma chalupa, colocada no serviço da pequena cabotagem, ligando a estrada marítima que se estende desde o norte de Espanha, até Marrocos, com eventuais viagens a portos mediterrânicos.
Foi construída em Esposende, elegantemente desenhada por Manuel Dias dos Santos Borda, em 1884, com proa a “prumo”, popa redonda, trincheira corrida com varanda, castelo à proa e duas escotilhas (1).  Encomendada por António dos Santos Machado, supostamente de Ílhavo, teve como seu primeiro mestre Manuel Francisco Machado, que se revelou mais tarde como um influente armador de navios da praça de Aveiro. Em 1889, a chalupa baptizada com o nome “Graciosa”, fazia plena justiça ao nome através do conjunto harmonioso das suas linhas, arqueando 68,43 toneladas de registo bruto. Dispunha de uma capacidade de carga com 193,650 metros cúbicos e encontrava-se matriculada na praça de Viana do Castelo. Nesse mesmo ano foi vendida para um armador do Algarve, matriculando no porto de Portimão. Em 1909 arqueava 68,42 toneladas de registo bruto e 65,00 toneladas de registo líquido.
Já em 1910, com 26 anos de actividade consecutiva, fez parte do lote de 15 navios comprados por agentes de tráfego do Porto, para depois de sujeita a pequenas alterações poder operar como barcaça de carga, depois de desmastreada, ficando confinada ao tráfego comercial nos portos do Douro e Leixões, durante vários anos. Todos estes navios foram utilizados para substituir o largo número de laitas (lighters) perdidas ou muito danificadas, durante a grande cheia no rio Douro de 21 a 24 de Dezembro de 1909.
Em 1917, porque apresentava ainda excelentes condições de navegabilidade, apesar dos anos em que esteve no tráfego local, foi novamente comprada e enviada a estaleiro - lamentavelmente não identificado -, onde foi reapetrechada e remodelada para reintegrar a frota nacional de navios mercantes. À saída do estaleiro, foi matriculada na praça do Porto, desde quando passou a navegar com o nome “Aida”.

A chalupa “ Aida “
1917 – 1918
Armador: Marques & Araújo, Lda., Porto

Nº Oficial: B-102 – Iic.: H.A.I.D. – Porto de matrícula: Porto
Arqueação: Tab 93,00 tons – Tal 77,00 tons.
Dimensões (2): Pp 19,20 mts - Boca 6,08 mts - Pontal 2,44 mts
Propulsão: À vela

(1) Felgueiras, José Eduardo de Sousa, “Sete Séculos no Mar (XIV a XX) – A Construção de Embarcações, Edição do Centro Marítimo de Esposende, Forum Esposendense, 2010, Livro III, Pág. 140".
(2) Do mesmo autor e livro, as dimensões correspondem à data da vistoria realizada logo após concluída a construção do navio.

Menos feliz na última fase da sua existência, a chalupa “Aida” foi como a maior parte dos navios portugueses, postos a navegar para colaborar no esforço de guerra e por conseguinte ter necessidade de efectuar derrotas em viagens mais prolongadas, em pleno teatro de batalhas navais. Numa dessas viagens, quando a navegar de Cardiff para o Porto e já bem próximo da costa espanhola, foi dinamitada pela tripulação do submarino alemão U-43, que se encontrava sob o comando do capitão Johannes Kirchner, sendo tristemente afundada no dia 19 de Outubro de 1918.

Depois de publicada a informação respeitante ao afundamento desta chalupa, encontramos uma curiosa notícia sobre o ataque ao navio, nos seguintes termos:
O afundamento da chalupa “ Aida “
A sudoeste de Vila Nova de Milfontes foi afundada a chalupa “Aida”, da praça do Porto, que seguia para a Guiné, com lastro de tijolo. Foi metida no fundo, depois de aviso prévio, com dois tiros de peça. A tripulação, composta de 4 homens, salvou-se, recolhendo a Milfontes. O mestre da chalupa chama-se José Santos Malaquias e é natural de Ílhavo.
In (jornal “Comércio do Porto”, de sábado, 17.11.1917)

Porque achamos pouco normal um navio com as dimensões desta chalupa encontrar-se a navegar para a Guiné, recorremos às notas inseridas no diário de bordo do submarino U-43, constatando-se que o ataque teve lugar quando a chalupa “Aida” se encontrava ao largo de Brest, França, durante a viagem de Penarth (cidade portuária que dista 8,5 km do porto de Cardiff) para o Porto, transportando um carregamento completo de carvão.

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