segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Histórias de vida


Almirante Gago Coutinho

Os notáveis vivem, quase sempre, amarrados à recordação da sua vida, relembrando os momentos passados com serenidade profunda e, simultaneamente, nunca esquecendo os acontecimentos emotivos, que lhes galvanizaram os nervos, lhes retemperaram a alma e lhes proporcionaram o ensejo para erguerem o nome às culminâncias da celebridade, quando, em arrancadas de apoteose, honraram com os seus feitos a Pátria que os viu nascer.

Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, em 1907

Assim se pode classificar a vida de um dos mais ilustres portugueses – o Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho -, marinheiro, navegador, historiador, matemático e cientista, cuja carreira, desde os tempos de guarda-marinha e geógrafo  responsável pela direcção dos trabalhos de levantamento topográfico nas ex-colónias, companheiro de Sacadura Cabral, no voo do “Lusitânia”, que ligou Lisboa ao Rio de Janeiro, com um contratempo de permeio, mas com uma aterragem feliz na baía de Guanabara.
Se é verdade que a vida lhe proporcionou viajar nos melhores transatlânticos, nos melhores aviões da época e ter evocado Cabral, repetindo-lhe a derrota em viagem desde Santos, no Brasil, até Lisboa, a bordo da barca “Foz do Douro”, que teve início em finais de 1943, também é verdade ter suportado grandes privações, tal é o caso pouco conhecido da viagem ao Brasil, a bordo da corveta “Mindelo”, da Marinha Portuguesa, resultando ser um dos seus sobreviventes.

Foto da canhoneira "Mindelo", da Marinha Portuguesa
Imagem previamente publicada no blog «Restos de Colecção»

Aconteceu em 1893, quando Gago Coutinho era 2º Tenente da Armada. Saiu do rio Tejo, a bordo da corveta “Mindelo”, uma unidade da marinha que navegava mais à vela do que a vapor. No final do período áureo da navegação a pano, Gago Coutinho fez-se acompanhar por um quadro a óleo, que colocou numa parede do seu camarote, com a imagem de um iate a transpor a barra do Mondego, tendo na curva do rio, à distância, o edifício da Universidade de Coimbra.
Nos dias que se seguiram após o navio ter fundeado na baía de Guanabara, dá-se uma revolta na Armada Brasileira. Entretanto, a bordo da “Mindelo”, parte da guarnição morre vitimada por um surto de febre-amarela, que assolou o Rio de Janeiro. Dos seis oficiais internados no Hospital de Beneficência Portuguesa, apenas dois escaparam com vida: os 2ºs. Tenentes Metzener e Gago Coutinho. Face à inesperada circunstância, foi demorada a estadia do navio, todavia como a recuperação dos tripulantes hospitalizados se prolongou mais do que o previsto, a “Mindelo” regressou a Portugal com uma tripulação reduzida, destacando-se a presença a bordo de apenas dois oficiais: o Comandante Castilho e o Tenente Machado Santos, tendo ficado sepultados no cemitério do Caju, entre outros, quatro oficiais e dez marinheiros.
Com Gago Coutinho ainda hospitalizado, a sua bagagem ficou esquecida a bordo, quando a “Mindelo” se fez ao mar, pelo que a partir de então só podia dispor da roupa que trazia no corpo, ficando obrigado a viver tristemente na antiga capital federal brasileira. A cidade não conhecia ainda o martelo reformador de Pereira de Passos. O mar batia em cheio nas casas da rua de Santa Luzia. As ruas encontravam-se sujas e sinuosas. Mas havia teatros que despertavam interesse e davam animação, entretendo-se o marinheiro português a apreciar, ainda convalescente, a alguns espectáculos. Sem melhores alternativas, almoçava e jantava no hospital. Não tinha recursos, por isso acompanhava as notícias todas as manhãs através da leitura dos jornais, que ia conseguindo por empréstimo.

Foto do vapor "La Plata" da Messageries Maritimes
Imagem da Photoship.Uk
Trata-se por exclusão de partes, do vapor referido no texto

Assistiu, depois de receber um abono provisório de setenta mil réis, feito pelo cônsul português, ao decorrer do movimento revolucionário brasileiro. E preparava-se igualmente para assistir às grandes festas comemorativas do descobrimento do Brasil, quando surge a oportunidade para viajar no navio misto “La Plata”, que se aprontava para viajar para a Europa. Embarcado como passageiro, com bilhete pago pelo consulado, desembarcou no Tejo, depois de penosa viagem, que durou cerca de 23 dias, trajando à civil, sendo esperado à chegada por seu pai e pela Dª Maria Augusta – governanta dedicada que o criara como se fosse seu filho. Esta terá sido uma das viagens que mais o impressionou, comentou anos mais tarde, quando se encontrava já reformado.
Deste relato se conclui a existência de bons e maus momentos, recriados a partir de episódios vividos por uma das personalidades mais interessantes do país, cujo vínculo ao mar, foi durante séculos o exaltar e sentir da alma nacional. E como facilmente se depreende, muitos outros nomes ligados ao mar, tal como Gago Coutinho, são e estarão sentenciados a perpetuar para sempre, com brilhantismo, na história marítima portuguesa.

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