quarta-feira, 21 de julho de 2010

Companhias Portuguesas


A Mala Real Portugueza
1891 - 1903

Episódios duma morte anunciada

Capa da revista "Occidente", em cuja data está publicado
o artigo abaixo reproduzido, que se explica por si.

Revista política

As consequencias da crise financeira e economica vão manifestando-se em cada dia de seu lado e de sua forma acumulando-se as dificuldades da administração, embrulhando-se cada vez mais a meada, sem lhe poder achar o fio por onda corra até ao fim sem embaraços a cada momento.
Era de esperar e o contrário seria milagre. Depois das complicações do convénio e do empréstimo, appareceu a questão das obras do porto de Lisboa. Agora temos a fallencia da Mala Real Portugueza e a situação dos bancos do Porto que pedem auxílio ao governo para os livrar dos apuros em que se acham.
Todas estas questões estão vivas e ainda se não disse a ultima palavra sobre ellas, porque todas ellas terão de ir parar ao parlamento logo que este se abra, e é de esperar que ainda deem muito que fallar de si.
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Com respeito à Mala Real Portugueza a resolução do governo, baseada no parecer da procuradoria geral da corôa, foi desfavoravel a esta empresa, não permittindo a alteração das viagens serem feitas pelo Cabo em vez de ser pelo Canal do Suez, de lhe conceder o adiamento que pedia para pagar os emprestimos que o Estado lhe fez.
D’este modo a Mala Real Portugueza requereu fallencia e foi-lhe nomeada uma administração. Este acto do governo pouco em harmonia com a brandura dos costumes, fez grande sensação e terá sido o assumpto de todas as conversações assim como dos artigos de fundo de alguns jornaes, em que se tem distinguido o Diario Popular pelos desconchavos com que tem pretendido deffender a Mala Real Portugueza e atacar o sr. ministro da marinha.
Cremos bem que todos lamentam a sorte da Mala Real Portugueza principiando pelo governo que não pôde deferir às suas pretensões, mas da falta do costume nascem os espantos, é um dito muito velho, o governo procedeu correctamente, em vista do concurso que precedeu o contracto que a mesma empreza fez com o governo, que pede espera aos seus credores, não serem de molde a elle fazer concessões aos seus devedores.
Estas razões são elementares, de tão facil comprehensão, que só admira que haja quem as não acceite por boas, e queira sobre ellas bordar argumentos soi-disant, em contrario envenenando as intenções do governo. Não nos admira nada isto e se o governo continuar a proceder correctamente, com a lei na mão e a coherencia em seus actos, é de esperar que o mesmo governo caea nas censuras de muitos que entendam ou lhes faz arranjo entender por torto, o que é direito e vice-versa.
E clamem ahi pela vida nova, que logo que ella dá algum signal de si, acham muito melhor a vida velha, a dos arranjos, a dos escandalos odiosos com que tudo se tem desmoralizado. É duro que as circumstancias difficeis que atravessamos victimem emprezas tão sympathicas como a da Mala Real Portugueza, mas que fazer n’estes casos?!.
Como poderia o governo deferir a concessão pedida, se esse deferimento alterava completamente as condições em que tinha sido feito o concurso para a navegação da Africa Oriental? Como poderia elle annuir de livre vontade ao pedido da Mala Real Portugueza de lhe esperar pelo pagamento das quantias que o Estado lhe emprestou, quando o mesmo governo não póde pagar aos seus credores?
Como podia o governo ir contra o parecer da procuradoria geral da corôa, se elle a tinha consultado de acordo com a lei, sobre o que devia fazer?. E por fim para que serviria atropellar a lei para valer a uma empreza cujos deffeitos de origem a levariam mais tarde ou mais cedo à fallencia.
Haja vista o celebre Banco Luzitano e a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portuguezes. A solução da crise dos bancos do Porto é também bastante difficil e complicada, ainda que parece estar em bons termos de se levar a effeito sem sacrificios para o thesouro, vindo entretanto a pesar sobre o banco de Portugal, que aliaz está já bem sobrecarregado.

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